O que o texto lhe sugere? Qual será o enigma do outro lado? Após a leitura, comente se o final foi esperado ou surpreendente!
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— De onde você vem, Nanico?
Magro, amarelo e muito comprido, Nanico estava um pouco curvado, cansado de tanto esperar.
— Venho da periferia, ali perto da estação. Éramos muitos irmãos, todos bem unidos.Os outros já se foram… fiquei só eu.
Só de falar nisso, Nanico foi ficando pálido, com manchas escuras.
Zé Pereira entrou na conversa:
— Você parece doente, cara. Quem sabe com isso você escapa — o Zé falou, olhando para a porta fechada, que dava para o outro lado.
— É inútil resistir. Todos nós vamos ter que passar por aquela porta, mais cedo ou mais tarde.
-Mas o que deixa a gente nervoso é a espera. Acaba-se ficando mole e não prestando mais pra nada! — Nanico gemeu , parecendo mais murcho e curvado.
— Que pessimismo é esse, Nanico? — perguntei, tentando animar o coitado, usando minha intuição feminina .
— É o calor, eu acho — o compridão respondeu.
— Ora, você devia estar acostumado, é de um país tropical… nós estrangeiros, habituados a
climas frios, é que sofremos mais — disse eu, sufocando, ficando mais vermelha do que já sou.
Zé Pereira remexeu-se inquieto, rolou o corpo um pouco para o lado e se queixou:
— Eu é que estou passando mal. Acidez, eu acho. Me trouxeram pra cá cedo demais… não era a minha hora.
— Você está impressionado com a espera, isso sim. Não quer confessar, mas está com medo — provocou Nanico.
— Vocês não entendem, eu sou do campo. Nasci na fazenda, ao ar livre. Aqui é úmido e abafado!
— Pois sei como você se sente. Também sou do campo — falei, tentando dar uma força ao companheiro. Zé Pereira respondeu:
— Ora, você não parece sentir a mudança. Continua gorda e rosada!
Ele estava de fato verde. Mas não notou que uma mancha escura e redonda já aparecia na minha pele avermelhada, um perigoso e alarmante sinal para a minha saúde.
Nanico levantou-se atento:
–Vocês ouviram o barulho do outro lado? Será que ele já vem?
Nanico se curvou ainda mais. Parecia ter um peso nas costas.
–Fico pensando: qual de nós três irá primeiro? Ainda me lembro quando meus irmãos se foram. Naquele tempo não era ruim esperar, porque a gente não desconfiava. Estávamos todos felizes,como se fosse uma aventura! Tudo era novidade: a viagem, nossa chegada aqui… Então vieram buscar o primeiro. Foi minha irmã. E ela nunca mais voltou.
–Não lembre coisas tristes, Nanico — eu falei, tremendo. Mas Nanico continuou:
–Depois vieram buscar o segundo. E mais outro, e mais outro. Fiquei só eu! Me esqueceram, não sei por quê … Então chegaram vocês.
— O que será que acontece lá dentro? — Zé Pereira perguntou.
— Não sei. Só sei que ninguém volta. Quem passa por aquela porta fica — Nanico afirmou.
— Não pode ser tão ruim — eu comentei — , acho que estamos com medo à toda. Sabem de uma coisa? Vai ver que do outro lado não tem nada!
Nisso a porta se abriu. Agarraram … Zé Pereira e o levaram embora. E a porta se fechou de novo.
— Por que não me levaram? — gemeu Nanico. — Estou me sentindo tão mal ! Zé Pereira era tão jovem, até sofria de acidez…
— Quem pode saber? — eu falei.
— Zé Pereira, a essa hora, já sabe — respondeu Nanico.
— Mas não volta mais pra contar. Ninguém voltou até hoje — lembrei.
Nanico ficou em silêncio. Deitou o corpo de lado. Acho que até cochilou um pouco. Coitado! A espera estava acabando com ele. Já estava na sala quando eu cheguei. Sempre falando dos irmãos que se foram!
Nisso, a porta se abriu de novo, e dessa vez levaram o Nanico. Fiquei sozinha, sem ninguém para conversar, esperando a minha vez…
A mancha escura em minha pele parecia ter aumentado, eu já não sentia a mesma disposição de antes. Não sei quanto tempo passou . O silêncio, a solidão aumentam o nervosismo e confundem a gente…
Finalmente, a porta se abriu e me agarraram também. Agora eu vou saber: vou descobrir o “grande segredo da vida”!
O outro lado é uma sala igual à primeira, mas tem uma mesa grande no meio, rodeada de cadeiras. Estou imobilizada … Com uma das mãos um homem me segura. Com a outra pega uma faca afiada.
E vai tirando em fatias a minha pele.
Depois, ele abre a boca com imensos dentes amarelos e vai se aproximando … Sinto o bafo, vejo a sua língua. Então me dá uma enorme dentada!
Mas eu ainda tenho tempo de ver, no prato sobre a mesa, a casca amarela e pintada do Nanico, o cabinho e os caroços do Zé Pereira.
— Então, é esse o destino das frutas?
Magro, amarelo e muito comprido, Nanico estava um pouco curvado, cansado de tanto esperar.
— Venho da periferia, ali perto da estação. Éramos muitos irmãos, todos bem unidos.Os outros já se foram… fiquei só eu.
Só de falar nisso, Nanico foi ficando pálido, com manchas escuras.
Zé Pereira entrou na conversa:
— Você parece doente, cara. Quem sabe com isso você escapa — o Zé falou, olhando para a porta fechada, que dava para o outro lado.
— É inútil resistir. Todos nós vamos ter que passar por aquela porta, mais cedo ou mais tarde.
-Mas o que deixa a gente nervoso é a espera. Acaba-se ficando mole e não prestando mais pra nada! — Nanico gemeu , parecendo mais murcho e curvado.
— Que pessimismo é esse, Nanico? — perguntei, tentando animar o coitado, usando minha intuição feminina .
— É o calor, eu acho — o compridão respondeu.
— Ora, você devia estar acostumado, é de um país tropical… nós estrangeiros, habituados a
climas frios, é que sofremos mais — disse eu, sufocando, ficando mais vermelha do que já sou.
Zé Pereira remexeu-se inquieto, rolou o corpo um pouco para o lado e se queixou:
— Eu é que estou passando mal. Acidez, eu acho. Me trouxeram pra cá cedo demais… não era a minha hora.
— Você está impressionado com a espera, isso sim. Não quer confessar, mas está com medo — provocou Nanico.
— Vocês não entendem, eu sou do campo. Nasci na fazenda, ao ar livre. Aqui é úmido e abafado!
— Pois sei como você se sente. Também sou do campo — falei, tentando dar uma força ao companheiro. Zé Pereira respondeu:
— Ora, você não parece sentir a mudança. Continua gorda e rosada!
Ele estava de fato verde. Mas não notou que uma mancha escura e redonda já aparecia na minha pele avermelhada, um perigoso e alarmante sinal para a minha saúde.
Nanico levantou-se atento:
–Vocês ouviram o barulho do outro lado? Será que ele já vem?
Nanico se curvou ainda mais. Parecia ter um peso nas costas.
–Fico pensando: qual de nós três irá primeiro? Ainda me lembro quando meus irmãos se foram. Naquele tempo não era ruim esperar, porque a gente não desconfiava. Estávamos todos felizes,como se fosse uma aventura! Tudo era novidade: a viagem, nossa chegada aqui… Então vieram buscar o primeiro. Foi minha irmã. E ela nunca mais voltou.
–Não lembre coisas tristes, Nanico — eu falei, tremendo. Mas Nanico continuou:
–Depois vieram buscar o segundo. E mais outro, e mais outro. Fiquei só eu! Me esqueceram, não sei por quê … Então chegaram vocês.
— O que será que acontece lá dentro? — Zé Pereira perguntou.
— Não sei. Só sei que ninguém volta. Quem passa por aquela porta fica — Nanico afirmou.
— Não pode ser tão ruim — eu comentei — , acho que estamos com medo à toda. Sabem de uma coisa? Vai ver que do outro lado não tem nada!
Nisso a porta se abriu. Agarraram … Zé Pereira e o levaram embora. E a porta se fechou de novo.
— Por que não me levaram? — gemeu Nanico. — Estou me sentindo tão mal ! Zé Pereira era tão jovem, até sofria de acidez…
— Quem pode saber? — eu falei.
— Zé Pereira, a essa hora, já sabe — respondeu Nanico.
— Mas não volta mais pra contar. Ninguém voltou até hoje — lembrei.
Nanico ficou em silêncio. Deitou o corpo de lado. Acho que até cochilou um pouco. Coitado! A espera estava acabando com ele. Já estava na sala quando eu cheguei. Sempre falando dos irmãos que se foram!
Nisso, a porta se abriu de novo, e dessa vez levaram o Nanico. Fiquei sozinha, sem ninguém para conversar, esperando a minha vez…
A mancha escura em minha pele parecia ter aumentado, eu já não sentia a mesma disposição de antes. Não sei quanto tempo passou . O silêncio, a solidão aumentam o nervosismo e confundem a gente…
Finalmente, a porta se abriu e me agarraram também. Agora eu vou saber: vou descobrir o “grande segredo da vida”!
O outro lado é uma sala igual à primeira, mas tem uma mesa grande no meio, rodeada de cadeiras. Estou imobilizada … Com uma das mãos um homem me segura. Com a outra pega uma faca afiada.
E vai tirando em fatias a minha pele.
Depois, ele abre a boca com imensos dentes amarelos e vai se aproximando … Sinto o bafo, vejo a sua língua. Então me dá uma enorme dentada!
Mas eu ainda tenho tempo de ver, no prato sobre a mesa, a casca amarela e pintada do Nanico, o cabinho e os caroços do Zé Pereira.
— Então, é esse o destino das frutas?
Stella Carr. Assombrassustos. São Paulo: Moderna,1995.
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